quarta-feira, fevereiro 28, 2007

osgas, leques, oregãos e soquetes

maria goreti, gostei tanto do teu comentário sobre o algarve, que não resisto a publicá-lo como post. ao lê-lo revivi cheiros e sensações, atmosferas e imagens.

Quando eu tinha 7 anos passava longos verões na casa de um tio avô católico, machista e tudo, na R Teófilo Braga, em Faro. Ele cultivava espinafres num pátio fresco, tinha uma açoteia onde o por do sol era muito bonito, havia osgas nas redes mosquiteiras das janelas e umas comidas com tomate, orégãos e peixe fresco como eu nunca havia saboreado e de que, se me concentrar, ainda consigo sentir o perfume. Era casado com uma senhora Algarvia que dizia "os mês meninos" de mim e dos meus primos que levava, bem comportados, em fila indiana, sapato engraxado e soquete branco à missa da tarde quente de domingo. Essas missas nunca esquecerei. A pele pouco habituada ao Sol, queimava-me vermelha sob as mangas tufadas do vestido. Cheirava a insenso, a cera e a Bien Etre. Ouvia-se o roçagar dos leques das senhoras. Eu e a minha prima recebemos leques pequenos e brancos com a gavidade de quem recebesse algum amuleto iniciático. Eu invejava secretamente a mantilha de renda branca que a minha prima recebera, essa sim verdadeiramente iniciática, atestando da sua condição de púbere, já com a "profissão de fé", mas ao menos eu recebera o leque e, se olhasse com atenção, cedo aprenderia a usá-lo com a mesma elegância das mulheres. Os meus tios avós tinham uma "comadre Joana": Senhora idosa e viúva com quem se encontravam nas tardes de Sábado numa aldeia muito branca, com pérgolas de caniçal, lagedos pintados com uma lavagem vermelho vivo aplicada de esfregona em torno de um velho mas imaculado poço com sua nora, embora já sem mula. As estradas eram convexas e estreitas, rés vés das soleiras das portas onde as mulheres da minha terra diriam que se podia lá comer de tão limpinhas. Essa limpeza fascinava-me, a mim beirã que ia para a escola com a bosta dos paralelos da rua agarrada às tamancas. O meu pai, orgulhoso mestre escola, explicava-me as orígens árabes disto e daquilo, a picota e os laranjais, mais a lenda da princesa nórdica e suas amendoeiras em flor. Aos 18 anos, muito longe da mantilha de renda branca, e ainda não retornada para o leque, fiz a costa Algarvia de mochila, a pé e à boleia. Dormi na praia e fui acordada pelos pastores alemães da GNR, e tudo o mais a que davam direito a mochila e as boleias. Gostei mais ainda que da missa de domingo à tarde, em Faro aos 7 anos de idade. Voltei ao Algarve há poucos anos e fui à aldeia da Comadre Joana. À soleira das portas não havia já estradas convexas. Aliás as estradas passavam ao nível das pérgolas de caniços, e as casas, já não tão brancas, estavam relegadas a caves das vias rápidas. Procurei os areais discretos onde caminhara mais que passos nas areias e tinham-se ido embora. Tinham desaparecido demasiadas coisas belas ao mesmo tempo e eu fiquei muito triste. Felizmente não farão a ilha artificial. Valha-nos isso.

Maria Goreti

1 comentário:

Anónimo disse...

incenso
gravidade
lajedos
origens
,e eventualmente outras honestas Senhoras Palavras desta minha desortografada Língua-de-Gato, reclamam a defesa imediata e veemente da sua honra vituperiada no texto.
Perante este protesto neuronal apresento às referidas senhoras as minhas desculpas. Espero que a normalidade ortográfica fique assim reestabelecida, na medida do possível.
Muito obrigada pelo agrado.
Aos Algarvios!