quarta-feira, setembro 05, 2007

eu, animal



acabo de ler, num comentário de um blog, uma das frases mais imbecis que ouço ou leio recorrentemente: "não gosto nada de animais". provavelmente pensaram que a frase era bem mais terrível, mas é só isto: "não gosto nada de animais". confunde-me que nestes tempos de sociedade científica, em que desde a mais tenra idade se apresenta aos miúdos o enquadramento filogenético do homo sapiens, ainda haja pessoas que pensem que não são, elas próprias também, animais. afirmar que não se gosta de animais é uma espécie de tiro no pé, de falta de amor próprio, de desnorte existencial. somos o que somos, porque somos animais, porque partilhamos com todos eles moléculas, genes, sistemas fisiológicos, células especializadas, organizações tecidulares. para mim, que abraço demoradamente os dois cães grandalhões cá de casa enquanto eles me mordiscam as orelhas e me lambem o nariz, que toda a vida convivi com cães, gatos, hamsters, coelhos, galinhas, cágados, que levava para casa grilos, cobras d'água e morcegos que encontrava na rua, que fico horas a ver os insectos a labutarem nos canteiros à volta da casa, que estudo a evolução da colónia de passarada que habita a grande araucária nas traseiras da casa, que gosto de observar osgas, aranhas e outras "nojices" do género, afirmações deste tipo dão-me volta ao estômago.

negar a nossa animalidade, é negar a nossa própria essência, o nosso enquadramento natural. não sendo animais, restar-nos-iam as hipóteses de ser planta, fungo, vírus ou bactéria. não me estou a imaginar passar a existência com as raízes enterradas num pedaço de terra, a alimentar-me de matéria orgânica em decomposição, e a existência unicelular ou molecular também não me parece muito atractiva. creio que concordam comigo quando afirmo que ser animal é a melhor existência que nos poderia estar reservada neste calhau à deriva no espaço.

9 comentários:

eskisito disse...

Eu não gosto dos animais que dizem essas barbaridades sobre os animais. Mesmo.
Aliás, eu também já tive essa pega com muita gente porque quando entra cá em casa vê os gatos e se sai com o "Não gosto de gatos".
Um abraço

spring disse...

olá!
lemos o texto e "por razões que a própria razão desconhece" a memória ofereceu-nos uma das muitas frases desse programa de antropolia cultural que em tempos já lá idos, meados dos anos setenta abanou a nossa rádio, o programa chamava-se "O Homem no Tempo" e a frase: "o que dá mais que pensar é que ainda não pensamos"
abraço cinéfilo
paula e rui lima

astuto disse...

Eu adoro animais! Tenho gatos, adoro-os, tenho dois cães, um rafeiro de rua, outro arraçado de Husky ou lá o que é, e só sei que gosto deles, não ligo a raças. Uma coisa que me irrita é dizerem-me que os meus cães "não valem nada porque não são legítimos, não são de raça pura"?! Como é possível tal mentalidade? Estes também não gostam de animais, só os têm para exibir a pureza da raça, a sua própria vaidade mesquinha!

Bom texto, concordo com tudo.

Cumprimentos.

PS: eu não digo onde leste o comentário :-|

Anónimo disse...

Hello, passaram depressa as tuas férias:)
Por aqui 2 cães, 4 gatos, alguns peixitos e sim também sapos, osgas, aranhas e tudo o mais que resolva aparecer pelo quintal.
Mas resolvi comentar por isto, porque na minha profissão faz-me uma falta do caraças que as pessoas se sintam animais. Passo a vida a dizer-lhes isso, sejam um bocadinho animais para conseguirem ter algum instinto, que é disso que putos precisam... os pequeninos mesmo, acabadinhos de nascer precisavam que elas os tratassem como a minha gata trata os filhotes dela... mas não, até porque no livro não sei das quantas diz que é preciso fazer assim ou assado...
Mais, numa próxima encarnação serei um leão, se se puder escolher quando distribuem as almas lá em cima:)

Anónimo disse...

Concordo plenamente. Por cá somos muitos:7 cães (um herdado e os restantes adoptados) e um numero indeterminado de gatos. Co-existimos pacificamente!

nelio disse...

eskisito, o curioso é que muitas vezes a própria comunidade científica labuta neste mesmo erro quando utiliza expressões do tipo "interacção homem-animal"...

rui, excelente citação. ainda era um bocadinho puto na década de 70, mas lembro-me do título do programa. dos conteúdos, népia.

astuto, eles esquecem-se que eles próprios também não são de raça pura e também não valem nada...

abraços para os três

nelio disse...

agora as senhoras :)

idadedapedra, as férias não passaram ainda. até ao lavar dos cestos (dia 10) é vindima! :)
levantas um bom ponto. fizessemos mais vezes apelo aos nossos instintos e menos à nossa racionalidade/identidade social, e muitas coisas ficariam mais fáceis. o difícil é equilibrar as duas vertentes e em que áreas da nossa existência. enfim, isto dava pano para mangas...

d. gosto dessa co-existência, gosto de todas as co-existências. saber o lugar que ocupamos e respeitar o espaço dos outros, sejam animais da nossa espécie ou de outras, parece-me uma maneira lógica de estar na vida. faz sentido.

beijos

nelio disse...

astuto, queria apenas acrescentar que essas pessoas que têm um mecanismo defeituoso qualquer que as impede de se aperceberem que a palavra valor tem outros sentidos para além do monetário, no fundo, fazem-me imensa pena, pois são privadas de uma parte importantíssima da existência. :(

Anónimo disse...

Sou um animal territorial: expulso todos os outros animais da minha casa. Alguns até são da minha espécie. Não gosto do cheiro que os cães deixam na sala, sou alérgica a pelo de gato, não gosto dos perfumes que se agarram ao ar já depois de os seus portadores humanos saírem. Há em mim um acentuado pendor reptiliano, não dinossaurico, que esses eram muitas vezes gregários. Apesar disso magoa-me ver a forma como os vizinhos tratam seus animais de estimação. Alimentam gatos não castrados que proliferam às dezenas e que atacam a vida selvagem sem controlo algum, têm cães acorrentados a oliveiras que fazem na sua condenação um circulo de terra batida e árida, ou fechados em canis de cimento e rede ao sol do alentejo em Julho, ou deixam-nos assilvestrados em matilhas atacando égua paridas e matando e comendo potros recém nascidos. Aqui os amigos dos animais são também amigos da caça e da tourada. As minhas colegas de trabalho dizem de mim que, ao contrário delas, eu não gosto de animais. Vês como gostar e não gostar pode querer dizer coisas diferentes?