cinismos e contracensos
dia internacional da erradicação da pobreza, desperta contra a pobreza, campanha pobreza zero. há uns anos atrás, teria estado lá, a despertar, mas hoje, um enorme cepticismo baseado na experiência e na observação impede-me de me entusiasmar com este tipo de eventos. despertar? a pobreza é um dado novo nas nossas existências? chamar a atenção dos líderes políticos de que é preciso fazer mais e melhor contra a pobreza? alguém acredita que eles não tenham consciência do mundo em que vivem, da pobreza nos seus próprios países? sendo um problema transversal, atinge todos os países. é um ponto sem nó. não é novidade para ninguém que a capacidade produtiva do planeta é suficiente para todos os seus habitantes e que a pobreza resulta pura e simplesmente da divisão desequalitária da riqueza. entre os países e dentro dos países. perdoem-me o desabafo, mas cada vez o mundo se torna mais incompreensível. lutar contra a pobreza vai contra os princípios básicos do capitalismo dominante, que o mundo rejubila por ter levado a melhor sobre o comunismo. então a palavra de ordem não é arrecadar o mais possível? então o crescimento económico e o crescimento do poder das empresas não é o novo graal? só posso concluir que os chamados objectivos do milénio para 2015 foram um enorme acto de cinismo, e que a maior parte dos líderes mundiais que assinaram o documento na o.n.u. tinha os dedos cruzados atrás das costas e davam risadinhas interiores durante o acto, quais meninos mal comportados quando mentem com convicção.
e depois, a pobreza e a desgraça fazem parte dos ícones obrigatórios em qualquer serviço noticioso. para o povo sentir aquele incomodozinho e ficar muito feliz porque ainda tem umas résteas de sensibilidade no sistema límbico. depois vem o futebol e a telenovela, e tudo passa. mas fica a sensação de que somos muito solidários. não importa que no dia seguinte olhemos os pobres da nossa comunidade com desdém e pensemos que são assim porque não querem trabalhar. que pensemos que os pretos não têm emenda e que nunca conseguirão fazer e manter um país decente. salvam-se alguns idealistas, que por erro genético e desadequação social vão mantendo vivas estas chamas. ou não passa tudo de um imenso folclore?
música: death of an idealist, iLiKETRAiNS
6 comentários:
É folclore sim senhor! Um cinismo atroz! Eu recuso-me a participar em feiras de vaidades (também por cá não há nada disso, somos hipócritas moderados).
Já nem ouço U2 porque não suporto o "Bono Evangelista" na sua cruzada contra a pobreza. É patético. Chego a imaginar que estas manifestações anti-pobreza não são mais do que uma forma de eternizar as diferenças e mostrar que somos superiores. Estou mesmo a ouvir os "bushs" a dizerem: "Vejam, como nós estamos bem, continuem a trabalhar no duro e dar esmolinhas ao pobrezinhos de África para não ficarem pobres como eles, e o senhor até gosta destes gestos..."
Cumprimentos.
Quando vemos a igreja católica a gastar 80 milhões de euros numa igreja, tens dúvidas do que é?
astuto, não entendi muito bem. cá não há feiras de vaidades??? meu, é o que mais há por aí. a não ser que não tenha percebido bem a que te referes...
"estas manifestações anti-pobreza não são mais do que uma forma de eternizar as diferenças e mostrar que somos superiores." that's the point!
rafeiro, um homem tem direito a ter dúvidas... :) eu ponho sempre a hipótese de não estar a ver bem a coisa...
Eu estava a referir-me à minha cidade, não ao país no seu todo... Na minha cidade nunca são celebrados os dias internacionais nem nada disso, passa tudo ao lado... Só sabemos das manifestações pela comunicação social. Até certo ponto, concordo. Acho que não deve haver dias marcados para nada.
Cumprimentos.
ok, já percebi.
Há uma crónica fantástica do Lobo Antunes mais velho sobre "os probrezinhos". Não mudámos assim tanto desde o tempo da caridade das suas tias, acção devidamente enquadrada no tempo e na mentalidade. Hoje, não há desculpa para o virar de cara nem para o fechar de olhos. Dez metros acima de onde trabalho dormem duas pessoas num recanto de prédios. Nem tiram de lá as coisas de um dia para o outro. É uma casa. Repito: é uma casa. Duas mantas, uma porta de armário e umas coisas sem cor e sem forma que tenho a esperança que não sejam alimentos. Nunca os vi lá. Mas é uma casa...
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