domingo, novembro 04, 2007

a escola, a família, o ranking e o resto da sociedade

não deixa de ser interessante esta discussão que anda na blogosfera sobre o ranking das escolas. confesso que, ao contrário da maioria dos bloguers, não consultei a tabela e não imagino em que posição se encontra a "minha" escola. e parece-me que isso é de todo irrelevante. não foi a escola que me despertou para o saber. ou estava nos meus genes, ou foi o contexto familiar que teve esse mérito. dos professores que tive, ficaram 3 ou 4 figuras de referência ao longo de 12 anos de percurso, porque da faculdade não ficou nenhuma. 3 ou 4 professores, entre as várias dezenas que tive, que me estimularam o pensamento autónomo e contribuiram para que gostasse de aprender. não me parece que tivesse sido diferente num outro contexto.

no debate escola pública vs escola privada, não tomo posição. de um e outro lado há boas e más escolas, há bons e maus professores. com clientela seleccionada é mais fácil trabalhar e obter bons resultados, isto parece-me óbvio. e parece-me óbvio também que toda esta suruba tem como único fim abrir caminho para a privatização em massa das escolas. mais uma vez se cai no erro de que gestões privadas são melhores, por definição, do que gestões públicas.

mas voltemos ao contexto. sempre tive colegas de todos os estratos sociais e não creio que crescer numa redoma de ambiente social seleccionado contribua em alguma coisa para o sucesso do indivíduo. conviver com a pluralidade, sim. ter a noção da diversidade de ambientes familiares, tomar consciência das assimetrias sociais. não acredito em castas nem em elites, seja qual for o parâmetro em consideração.

sendo filho de professores e casado com uma, conheço demasiado bem o meio para me permitir avaliações generalistas da classe profissional. provavelmente, em vez de estarmos a discutir a escola, deveriamos antes estar a discutir a família e as condições que são proporcianadas pela sociedade para que exerçam as suas funções educativas. a escola não se pode substituir à família e não pode nem deve ser-lhe exigida a responsabilidade de, além da formação académica, formar também cívica e pessoalmente os indivíduos em crescimento. vejo uma nova geração crescer sem perceber que não pode haver liberdade sem responsabilidade, e isso deve-se principalmente à família e às políticas educacionais que não deixam a escola dar-se ao respeito, veja-se o novo estatuto do aluno. enquanto a retenção de um aluno (que não é mais que um eufemismo para o clássico chumbo) exigir um processo burocrático com produção de muitas páginas de documentos e a aceitação tácita por parte dos encarregados de educação, será muito difícil a escola exercer efectivamente as funções que lhe são exigidas. denegrir publicamente a imagem da classe docente, como este ministério tem feito, também não contribui em nada para que o sistema funcione com qualidade.

é na família que se devia centrar esta discussão, e, de forma mais alargada, nos valores sociais. não se pode exigir que a escola seja um reduto de boas práticas, quando todo o resto da sociedade valoriza mais a forma do que o conteúdo individual. o apelo ao sucesso fácil e a projecção social de personalidades ocas, que os media levam a cabo, são maus exemplos para jovens em fase de crescimento. cabe à família desmistificar estes fenómenos e dar sólida formação de valores, mas para isso é preciso tempo, e as exigências sociais, centradas na produtividade ilimitada e na ilusão do bem estar eterno e da vaidade social, não deixam esse tempo disponível. para quando um ranking de famílias?

3 comentários:

Different disse...

Parabéns por focares um aspecto central e tantas vezes esquecido: as famílias. De notar, no entanto, que na construção da identidade são fundamentais os professores quando os modelos familiares não são exemplares.

nelio disse...

different, as famílias nunca são exemplares, assim como as escolas, assim como tudo o que é feito por humanos. os professores são muito importantes na construção da identidade, não há dúvida, mesmo quando as famílias são funcionais, assim como todos os adultos que constituem o universo relacional dos jovens: avós, padrinhos, treinadores desportivos, animadores, amigos dos pais, pais dos amigos, etc... os professores são pessoas como as outras, não se lhes pode exigir a infalibilidade, porque esse não é um atributo humano.

astuto disse...

Os rankings são falaciosos... Não levam em conta os factores, são frios como todos os números são. Assim como, as estatísticas relativas à escolaridade; a passagem administrativa está na moda para se "instruir" o país de forma artificial...

Cumprimentos e boa semana.