terça-feira, dezembro 18, 2007

gente vulgar

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I

iniciada na nobre profissão do secretariado num tempo em que o domínio do papel químico e da máquina de escrever eram atributos apreciados, berta acredita piamente que os computadores são dotados de vontade própria. inúmeras vezes relata aos seus superiores episódios em que, apesar de ter repetido escrupulosamente a mesma sequência de comandos, a máquina lhe responde de forma bem diversa.


II

cristovão teve uma educação espartana em que o rigor e o autocontrolo não foram sugestões, foram antes exigências. habituado a repetir processos rigorosamente controlados por seu pai, ainda hoje é sempre com a mesma frase que pede a moeda aos condutores dos veículos que ajuda a estacionar. o autocontrolo, incorporado na sua personalidade durante a primeira infância, ajuda-o a respeitar os limites do seu território e a não riscar a tinta dos carros de quem lhe nega a recompensa e, assim, lhe atrasa a próxima dose.


III

para sobreviver sem sofrer, maria foi acumulando, a cada novo acontecimento adverso, a sensação de que tinha que calar o seu eu sensível. a dada altura, já não sabe bem precisar quando, transformou a sensação em certeza e endureceu a sua relação com o mundo, com os outros, com a própria existência. desde então um tom amargo contamina-lhe os dias. não tem noção do desagrado que provoca à sua volta, assim como não sabe das várias alcunhas que os colegas lhe inventaram, anaconda não sendo das mais ofensivas.

2 comentários:

marta r disse...

Gente real...

Luís F. disse...

Excelente!!

Gostei particularmente do II...