sábado, dezembro 22, 2007

gente vulgar

IV

desde a mais tenra infância, paula evidenciou um pendor especial para o perfeccionismo. uma carreira académica brilhante, um esmero na sua imagem e uma eficácia invulgar em todos os pormenores conduziram-na a um lugar de topo na administração de uma grande empresa. tradicionalista e conservadora, cuidava de todos os pormenores da sua vida de modo a que nada falhasse. chegada a casa, estenuada, deixou-se cair na chaise-longue. tinha sido azar a sua empregada adoecer em vésperas de natal, tendo ela própria que fazer as compras para a consoada. por momentos relembrou a luta. relembrou a imagem da última couve portuguesa que restava no hipermercado em trânsito entre o expositor e o carrinho de outra cliente, a breve troca de palavras com a outra senhora, a recusa da outra em lhe ceder a couve, o saco de plástico que continha a couve a esticar-se e a rasgar-se puxado pelas duas, a couve a rebolar pelo chão, as duas jogando-se ao chão para apanharem a couve, a intervenção dos funcionários do estabelecimento. fazendo uso do seu famoso poder de argumentação conseguira convencê-los de que tinha sido ela a primeira a pegar na couve e a outra a tentar roubar-lha. olhou, vitoriosa, as folhas de couve que saiam para fora do saco de plástico que jazia a seus pés. agora sim, o seu natal iria ser perfeito.

Sem comentários: