terça-feira, janeiro 08, 2008

gente vulgar

V

joão e bernardo fizeram todo o seu percurso escolar nos mesmos estabelecimentos e por várias vezes nas mesmas turmas. não se infira daqui que se tornaram bons amigos ou companheiros, muito pelo contrário, sempre estiveram em campos opostos. por educação ou por opção, bernardo investiu todos os seus esforços em ser bom aluno, bem educado, seguindo trilhos trilhados por outrém, encaixando naquilo que se esperava dele. joão, pelo contrário, cresceu livre de pressões ou não as assumiu nem lhes deu importância, o que vai dar exactamente ao mesmo lugar. o que joão tinha de "cool" e popular, bernardo tinha de "weirdo" e introvertido. bernardo sempre foi, aliás, um dos alvos preferidos dos gozos e escárnios do grupo de joão e amigos, gozos esses que amiúde adquiriam contornos de enxovalhamento. terminado o secundário, seguiram percursos independentes sem qualquer ponto de contacto. os seus caminhos voltaram a cruzar-se quando joão, no seu primeiro dia como porteiro do edifício da administração de uma grande multinacional, reconheceu o antigo colega de escola na figura de um dos assessores do conselho de administração.

6 comentários:

Anónimo disse...

a situação deve ser, no minimo, desconfortavel...

marta r disse...

Moral da história: no estudo é que está o ganho?

nelio disse...

marta, esta história não tem moral. acontece, simplesmente. podem-se seguir vários raciocínios, dependendo do ponto de vista. joão é um homem, certamente, mais desenpoeirado, menos traumatizado, mais de bem com a vida. teve uma adolescência mais normal como rapaz e não tem grandes ressentimentos em relação ao mundo. aquilo a que chamas ganho é muito relativo. o ganho é ter um melhor ordenado???, uma melhor posição social??? ser assessor do conselho de administração é melhor do que ser porteiro?

nelio disse...

podem-se imaginar vários desenvolvimentos também. bernardo usa a sua posição para se vingar de joão e torna-lhe a vida num inferno, acabando por conseguir que seja despedido; bernardo está demasiado ocupado com a sua ascensão dentro da multinacional e não tem tempo nem disponibilidade mental para se vingar de joão, embora lhe guarde algum ressentimento; bernardo e joão com o tempo tornam-se amigos, porque afinal a ligação de terem partilhado de algum modo as infâncias é superior ao afastamento resultante do facto de em determinada altura terem estado em "campos opostos"; joão e bernardo tornam-se amantes e são ambos despedidos após terem sido descobertos em flagrante sexual nas instalações da empresa; etc; etc; etc.

marta r disse...

Quando falei em moral, referia-me à relação causa/efeito desta história: o Bernardo era o "esquisito" e o gozado. Vingou-se nos estudos, tornando-se um quadro superior com um ordenado que lhe permitirá o acesso a muitas coisas (não necessariamente à felicidade). Já o João, o "cool", fartou-se de brincar e lixou-se: o lugar de porteiro não lhe deve dar direito a pensar em muito mais além do pagamento das despesas correntes (o que não o fará necessariamente infeliz).

Os trajectos de ambos parecem-me muito "pré-definidos" ou formatados, percebes? Até achei curioso a escolha dos nomes: Bernardo, o queque, e João, o rufia.

Quanto ao futuro, claro está tudo em aberto. Todos os desenvolvimentos que sugeres são válidos.

nelio disse...

marta: pode parecer esteriótipo, mas se pensarmos nos percursos dos nossos colegas de turma, vemos que muitas vezes, os mais bem sucedidos não foram os mais saudáveis e livres de espírito. isto faz com que haja nos lugares de topo da sociedade (e isto inclui a classe política), pessoas que tiveram processos de crescimento de alguma maneira traumatizantes, não são certamente os melhores enquanto seres humanos completos.

quanto aos nomes, há uma relação, sim. as pessoas são educadas, normalmente, por quem lhes escolhe os nomes.

achei curioso considerares o joão como rufia. não o vejo assim, antes como um rapaz normal. o gozo faz parte do relacionamento entre rapazes, é perfeitamente normal. arriscaria mesmo dizer que não há relacionamento entre rapazes sem que o gozo e a tentativa de enxovalhamento façam parte do processo. a diferença está no modo como a "vítima" reage.