sábado, maio 10, 2008

amesterdão

"no seu canto da zona ocidental de londres, e na sua rotina diária, em que todas as preocupações se centravam em si mesmo, era fácil para clive pensar na civilização como a soma de todas as artes, associadas ao design, à culinária, aos bons vinhos e a coisas semelhantes. mas agora parecia-lhe que ela era o que de facto era - quilómetros quadrados de casas modernas mesquinhas, cujo principal objectivo era suportar antenas de televisão e parabólicas, fábricas que produziam tralha inútil para ser anunciada na televisão e, em lúgubres lotes de terreno, filas de camiões para as distribuirem; e, por todo o lado, estradas e a tirania do tráfego. tudo aquilo fazia lembrar o rescaldo de uma festa desvairada. ninguém teria desejado que as coisas fossem assim, mas não lhes tinham perguntado. ninguém planeara aquilo, ninguém quisera aquilo, mas a maioria das pessoas era obrigada a viver ali. ao observar aquele espectáculo quilómetro após quilómetro, quem poderia suspeitar que purcell ou britton, shakespeare ou milton, tinham alguma vez existido? de vez em quando, no momento em que o comboio ganhava velocidade e se afastava mais de londres, o campo aparecia e com ele o início da beleza, ou a recordação dela, até que, segundos mais tarde, se diluía num rio que se transformava numa represa acimentada ou num súbito ermo agrícola sem cercas nem árvores, e estradas, novas estradas a estenderem-se até ao infinito, despudoradamente, como se tudo o que importava fosse estar noutro sítio. no que dizia respeito ao bem-estar de todas as outras formas de vida da Terra, o projecto humano era, não apenas um fracasso, mas um erro do princípio ao fim."

ian mcewan, in amesterdão

gosto principalmente da imagem das casas modernas mesquinhas, cujo principal objectivo é suportarem antenas de televisão e parabólicas... mas amesterdão, escrito há 10 anos atrás, não é um livro com pretensões a manifesto ambientalista, eu é que gostei particularmente da força destas imagens. é uma deliciosa reflexão sobre o sucesso, a ilusão do sucesso, a fragilidade da política e das estratégias editoriais dos jornais. sob o olhar irónico de mcewan, ninguém se salva. nem o político que se vê envolvido num escândalo sexual, nem o director do jornal que se prepara para publicar as fotografias compremetedoras, nem o homem que vende as fotografias ao jornal, nem o compositor de renome a quem foi encomendada a sinfonia para assinalar a passagem do milénio. quatro homens ligados por uma mulher, de quem todos foram amantes e que acaba de morrer. pelo meio, a fragilidade de uma amizade, devorada pelo despeito, pelo orgulho, pelo egoísmo e pela fama. uma crónica mordaz, um olhar desapaixonado sobre as esferas do poder. e ainda há quem lhes chame elites...

4 comentários:

idadedapedra disse...

pronto, lá vou ter que ler

idadedapedra disse...

andei para aqui à procura do teu post sobre o into the wild mas não encontrei. Era só para dizer que já vi o filme e adorei!!!!

reb disse...

penso que aqui não havia um post sobre o livro ( filme), havia, sim, uma referência à música...

nelio disse...

exacto reb. está um pouco mais abaixo e chama-se society, crazy and deep