the architect
viciante.
nós nunca deixamos de ser fundamentalmente novos, condenados a ter vários rostos e incapazes de fazer coincidir a nossa intenção com o olhar dos outros. o mundo é uma feira de mal-entendidos que alimenta todas as anedotas e todas as tragédias. a tragédia é ontologicamente igual à comédia - entre o riso e as lágrimas, entre o bem e o mal, não há senão uma cómoda diferença de perspectiva. e a perspectiva foi um mecanismo de defesa do homem face ao absurdo da existência.
inês pedrosa, in a perfeição da clarabóia que falta
(introdução à edição do círculo de leitores de o livro do riso e do esquecimento de milan kundera)
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3tiqu3tas: bicho-homem, existência, inês pedrosa
porque o homem pensa e a verdade escapa-lhe. porque quanto mais os homens pensam mais o pensamento de um se afasta do pensamento do outro.
milan kundera in a arte do romance
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3tiqu3tas: citações, milan kundera, pensamento
isto entra dentro da minha classificação de músicas de verão. oh your god, incluída em vantage point, o registo de 2008 dos dEUS. gosto muito.
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o ano de 1993 deve ser dos objectos literários mais peculiares de josé saramago. uma distopia onírica em forma de longo poema dividido em 30 partes, cada uma funcionando como uma entidade. no futuro, uma guerra, invasores, cidades conquistadas, populações dizimadas. os poucos que sobrevivem tomam dois caminhos: uns ficam prisioneiros nas cidades, outros fogem e agrupam-se em tribos que sobrevivem, em regressão civilizacional, num mundo hostíl onde são perseguidos por animais biomecânicos. é fácil estabelecer um paralelo com o 1984 de george orwell. um futuro próximo, sociedades totalitárias, os homens prisioneiros nas cidades. mas enquanto orwell centra a sua história em personagens bem individualizadas, saramago refere-se ao colectivo, sem nomear os intervenientes. enquanto orwell descreve, saramago sonha em discurso fluído discorrendo sobre a natureza humana. um excerto:
"E porque os antigos deuses haviam morrido por inúteis os homens descobriram outros que sempre tinham existido encobertos pela sua não necessidade
O primeiro de todos foi a montanha porque era ela que no seu mais alto pico sustentava o peso do céu
Aquele mesmo céu que os velhos deuses em tempos idos habitaram e donde de pais para filhos desprezaram os homens porque desprezo fora impor-lhes salvações contra a sua própria humanidade
O segundo deus foi o sol porque ensinara a redescobrir a roda embora houvesse tribos que veneravam a lua pela mesma razão
Essas porém em noites de quarto minguante ou crescente traziam os olhos baixos
Provando assim que cada tribo tem o deus que perfere e não outros
Mas a nova mitologia a isto se resumiu porque um dia houve um homem que subiu ao pico da montanha e por essa maneira se viu que sozinho levantara o céu
E outro pegou nas rodas que haviam sido o sol e a lua e lançou-as para longe onde não brilharam
Definitivamente deus só ficou o rio porque os homens vão mergulhar nele as mãos e o rosto e têm estrelas nos olhos quando se levantam
Enquanto as águas por sua vez transportam ao céu e ao sol se o há a turvidão salgada das lágrimas e do suor
E as plantas verdes que dentro de água vivem estremecem sob o vento que traz aquele cheiro de homem a que a terra ainda não se habituou"
mais um excerto:
"Quando os habitantes das cidades se tinham já habituado ao domínio do ocupante
Determinou o ordenador que todos fossem numerados na testa como no braço se fizera cinquenta anos antes em Aushwitz e noutros lugares
A operação era indolor e por isso mesmo não houve qualquer resistência nem sequer protestos
O próprio vocabulário sofrera transformações e haviam sido esquecidas as palavras que exprimiam a indignação e a cólera
Deste modo os habitantes da cidade se acharam numerados de 1 a 57 229 porque a cidade era pequena e fora escolhida para experimentação entre todas as cidades ocupadas
Dois meses depois o ordenador registava valores de comportamento e diferentes estados de espírito consoante o número que havia cabido a cada habitante
Entre o 1 e o 1000 estava o perfeito contentamento de si próprio ainda assim dividido em mil exactas pequenas parcelas
Ninguém reconhecia autoridade a quem tivesse número superior ao seu o que explica que o 57229 comesse com os cães e tivesse de masturbar-se porque nenhuma mulher queria dormir com ele
Os habitantes de 1 a 9 consideravam-se chefes da cidade e vestiam segundo as modas do ocupante
Mas o primeiro deles mandou fazer um aro de ouro que suspendia sobre a testa como sinal de poder e autoridade e hoje basta este sinal para que todas as cabeças se curvem a partir de 2
Porém só o ordenador sabe que estes números são provisórios e que dentro de vinte e quatro horas todos se apagarão para reaparecerem por ordem inversa
Processo tão bom como os animais mecânicos para prosseguir o extermínio da população ocupada
Pois todas as humilhações serão retribuídas cem por um até à morte
Enquanto os ocupantes se distraem nos espectáculos que para seu uso ainda funcionam"
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... não há falta na ausência.
a ausência é um estar em mim.
e sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços, que rio
e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
carlos drummond de andrade
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3tiqu3tas: ausência, carlos drummond de andrade, poesia