domingo, fevereiro 25, 2007

meritocracia e felicidade

recebi isto por email:

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis. E um exército de professores explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição. Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente mas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho. Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"
João Pereira Coutinho, jornalista


no essencial, concordo, mas não estou bem a ver um terço da humanidade a tomar prozac, nem sequer aos medicamentos verdadeiramente necessários têm acesso. só se a humanidade a que se refere o jpc for o mundo ocidental, o que não deixa de ser uma lástima, um jornalista ser tão redutor. também não sei se o fim último da vida é a felicidade. também não é a excelência. para mim é mais a aprendizagem. mas como nunca li montaigne, não sei de que felicidade se fala. porque a felicidade como estado permanente não existe, e os pequenos momentos a que nos referimos como momentos felizes, só fazem sentido e só são valorizados por comparação com os outros em que não somos felizes. a felicidade permanente, se existisse, seria como o paraíso: terrivelmente monótono e aborrecido.

3 comentários:

astuto disse...

Excelente texto. Concordo e revejo alguns comportamento sociais; a ganância, o querer chegar mais e mais longe... Para que serve esta corrida louca? Cheguei a estudar em sociologia, um autor que defendia que as tribos de Índios tinham uma cultura inferior. Outro, este com o qual concordo, assegurou que não se podem comparar culturas, não há forma de as classificar. Quem, por vezes, não acharia que era mais feliz na selva, junto dos de Índios longe de todos estes aparelhos que metem nojo, com a única preocupação de se alimentar? Haveria algo mais encantador?

Continuação de boas postagens.

Anónimo disse...

Para se dar valor ás coisas, talvez seja preciso sentir a falta delas...
ou então ter consciencia disso e estar agradecido por as ter...

Anónimo disse...

Na primeira oportunidade lerei Montaigne, está decidido.
Entretanto parece-me, após aturada reflexão e muitas consultas bibliográficas, que o sentido da vida mesmo, aquele que realmente me deve nortear na-senda-do-futuro (e outras frases boas para quem acredite nalguma religião, mas desadequadas para mim) o Sentido da Vida é... um filme dos Monty Pyton.
Agora sem referências do show biz: nos dias bons acho que a vida não tem sentido nenhum, com não precisam de ter sentido os rebanhos do Alberto Caeiro a cabriolar pelos outeiros.
Nos dias maus acho que isso é uma pergunta pouco própria para qualquer agnóstica(o) esclarecida(o), dado que há 26 séculos uns mediterrãneos acharam que a figura de Sísifo seria uma boa ajuda para tocar os amargurados pela inutilidade histórica das tarefas humanas.(Afinal, tnha mesmo que haver referências)
É capaz de ser pouco formativo para mim procurar respostas melhores que estas.
Há um biólogo que diz que a primeira diferença entre os humanos e os outros animais _olha lá que outra questão boa para um domingo de chuva!_ é que nós sofremos tédio: stress por nada fazer/pensar/criar. Fazer/pensar/criar são necessidades tão elementares como a de procurar água, comida e afecto. Diz ele. Acho que nunca veio a Portugal.