sexta-feira, março 16, 2007

a.e.i.o.u.

não, não voltei aos bancos da escola, nem estou a referir-me à sequência pela qual nos habituamos a enumerar as vogais. de repente apercebo-me, via citizen mary, de que estamos em pleno ano europeu da igualdade de oportunidades para todos- a.e.i.o.t. já houve tempos em que estas iniciativas me entusiasmavam, agora impera em mim em grande cepticismo. muito bem, o plano nacional de acção já tem o seu site pronto. podem visitá-lo e ver que se pretende a igualdade de oportunidades para todos os indivíduos, independentemente do género, tom de pele, orientação sexual, eficiência motora ou sensorial, idade ou credo religioso. lindas palavras, lindas ideias, mas haverá algo mais do que isso? as o.n.g. já têm as suas actividades programadas, há concurso de fotografia, exposições itinerantes, mas bem me quer parecer que o ano em si vai-se diluir nessas iniciativas e no final vai estar tudo na mesma. senão vejamos.

estamos a 16 de março e a maior parte dos cidadãos deste país não ouviram ainda falar da iniciativa. divulgação nos media, spots publicitários, praticamente zero. não parece haver muita vontade em falar do assunto.

igualdade de oportunidades independentemente do género. num país onde a maioria dos licenciados é do sexo feminino e onde a maioria dos quadros das empresas é do sexo masculino. onde os negócios se fazem em jantares de cariz eminentemente masculino e não em reuniões que acabem a tempo de ir buscar os filhos à escola. onde as próprias mulheres continuam a dizer que o marido é muito bom porque até ajuda lá em casa. onde na carreira docente (estatuto aprovado já este ano, curiosamente) as mulheres são prejudicadas em termos de progressão, sendo-lhes descontado o tempo de licença de parto ou à cabeceira dos filhos com febre, onde um alto elemento do m.e. aconselha as mães a confiarem os filhos a vizinhos para estes os acompanharem a consultas médicas. onde mulheres continuam a ser despedidas por engravidarem.

igualdade de oportunidades independentemente do tom da pele. num país onde "tanto se aperta a mão a um branco como o pescoço a um preto", onde teoricamente não há racismo, até porque somos por definição de brandos costumes, mas na prática, no imaginário da populaça, pretos e ciganos estão associados a delinquência, onde o argumento que os imigrantes ocupam os lugares de trabalho dos portugueses tem inúmeros adeptos.

igualdade de oportunidades independentemente da orientação sexual. pois! como se o casamento entre indivíduos do mesmo sexo já estivesse aprovado. num país onde quase não há figuras públicas assumidas, onde se usam insinuações quanto à orientação sexual dos adversários em plena campanha eleitoral e a laracha é depois reproduzida até à exaustão pela turba achincalhadora.

igualdade de oportunidades independentemente da deficiência. por favor! nem a lei das acessibilidades, aprovada há não sei quantos anos, está aplicada. nem sequer é fiscalizada. a maior parte das repartições públicas continua a não ter acesso para cadeira de rodas, escolas de 3 pisos sem um único elevador. leiam este estudo da deco e vejam as dificuldades com que cidadãos portadores de deficiência têm que lidar no dia a dia. a trabalhar, uma minoria, dobragem em língua gestual, quase inexistente. nas escolas, que se pretendem inclusas, uma confrangedora falta de formação do pessoal docente e não docente. a imagem nacional do deficiente e dos seus familiares continua a ser a de coitadinhos.

restam a idade e o credo religioso, porventura os factores menos discriminatórios, mas mesmo assim, perder o emprego a partir dos 40 continua a ser um drama, continuam os escândalos com os lares para a terceira idade sem um mínimo de condições dignas, continuam idosos a serem abandonados nos hospitais, indo alguns familiares ao cúmulo de fornecerem números de contacto falsos. e continua também uma importante fatia da sociedade a querer impor os seus valores, os seus dogmas de fé, como se fossem universais.

podem-me dizer que se tudo já estivesse resolvido não seriam necessários estes anos disto e daquilo, mas diz-me a experiência, infelizmente, que nada ou muito pouco vai mudar. não vamos ter um a.e.i.o.t., mas sim um a.e.i.o.u., um ano europeu de imensas oportunidades para uns. sim, porque somos todos iguais, mas uns mais iguais do que os outros.




Resolução do Conselho de Ministros n.o 88/2006 (introdução)
No intuito de alcançar uma sociedade mais justa através da promoção da igualdade e da não discriminação, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia designaram o ano de 2007 como o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos. Como é afirmado no âmbito da Estratégia de Lisboa, o relançamento do crescimento é vital para a prosperidade e constitui a base da justiça social e da igualdade de oportunidades para todos. Estes objectivos, todavia, serão difíceis de concretizar enquanto grupos sociais com expressão significativa na população portuguesa estiverem excluídos de um emprego, de uma formação ou de outras oportunidades. Para desenvolver uma sociedade inclusiva e uma economia mais competitiva e dinâmica, colhendo os frutos da diversidade, torna-se imperativo eliminar os factores de discriminação que possam subsistir em razão do sexo, origem racial ou étnica, religião, deficiência, idade e orientação sexual.

5 comentários:

Maria Romeiras disse...

Boas observações. Cabe a cada um de nós ser convicto da sua forma de vida. Julgo, Nélio, que estas acções servem mais para sensibilizar, por insistências, o mundo vai naturalizando ideias. Sobretudo no caso dos que não acreditam em igualdade, mas vão entrando pela porta do politicamente correcto. O que talvez seja uma análise cínica. Pessoalmente acho que se muda mais agindo, mas se têm meios para divugar ideias ou ideiais que os divulguem. Informação é precisa...

nelio disse...

maria: pois eu tenho imensa pena que assim seja, que apenas se consiga introduzir o óbvio na sociedade à custa de técnicas do tipo água mole em pedra dura. mas se assim tem que ser... é por isso que, apesar do tom meio-ácido, este é também um post de divulgação.

Anónimo disse...

É por tudo aquilo que referes no teu post, que é necessário haver um ano europeu da igualdade de oportunidades para todos.
De todas as formas, penso que, enquanto houver fome no mundo dificilmente haverá igualdade de oportunidades para todos. E pensar que na europa não há fome, é um erro.
Um beijo Pino

Maria Romeiras disse...

Só agora li a observação da Pino: costumo dizer que não há direito de falar em taxas de analfabetismo enquanto faltarem pratos de sopa na mesa das crianças... e muitos não têm mesmo. Ano Europeu Contra a Fome. Ou nem ser preciso um mote, mas uma consciência geral de que é preciso redistribuir recursos com rapidez e criar com urgência centros de socorro a quem passe mal. Isso sim.

Different disse...

penso que um ano europeu da igualdade é tão útil como o dia da mulher em Teerão ou o dia da Criança na Serra Leoa. Criar um conceito e fazer dele mote para um ano europeu é pura "pirotecnia burocrática". Gostava era de ver "24 horas vezes 365/366 dias todos os anos de uma vida" de igualdade. no outro dia recebi uma chamada de uma colega: Sabes uma coisa, não te assustes, mas a tua nova colega é lésbica. Ela disse lésbica. Com tanto suspense até pensei que fosse canibal. Aí, sim, teria medo. Continuamos preconceituosos. Imagina a vida de uma mulher negra, homossexual e com uma ligeira deficiência. Imagina, claro, porque não deve haver funcionário público ou privado com estas características. Sou branca, heterossexual, dentro dos padrões ditos normais para uma sociedade ocidental, licenciada e monetariamente independente e todos os dias sou julgada pela forma como visto, como penteio ou não o meu cabelo, como falo, como conduzo, como defendo as minhas ideias.