em contraciclo
sinto-me em contraciclo com as tendências actuais da política, é sabido que a história se processa em movimentos pendulares. a vitória de sarkosy é uma vitória das técnicas de manipulação de massas e da propaganda sobre a comunicação, como alguém escreveu, mas é também a vitória dos que acreditam que o exercício do poder deve ser musculado. pessoalmente, não gosto e acho que não preciso que me digam o que devo fazer, que me imponham autoridade e moral. a autoridade só é necessária quando alguém se recusa a dar o seu contributo para o todo que constitui uma sociedade, e a moral, bem, essa, cada um tem a sua, desde que não invada terrenos alheios. não sou francês, mas a tendência prolifera um pouco por toda a união europeia. nicolas sarkosy é um confesso admirador das reformas levadas a cabo pelo governo português, embora a esfera ideológica (se é que isso ainda existe) donde provêm seja, teoricamente, muito diferente. é evidente que o estado social europeu está em falência, que na prática muitos erros e muitos abusos foram cometidos. de alguma maneira proliferam aqueles que destas sociedades só querem retirar e partilhar os direitos, as liberdades e as garantias, mas quando se chega ao capítulo dos deveres e dos contributos, acham que isso é para os outros e que o estado deve ser mãe abnegada que tudo permite e tudo atura à sua prole. uma legião de parasitas do sistema, funcionários que não funcionam, desempregados que não querem emprego, viciados em prestações da segurança social.
sempre acreditei, ingenuamente suponho, que um país, uma cidade, qualquer grupo de pessoas mais ou menos alargado, funciona quando cada um dos seus elementos tem prazer e interesse no seu contributo para o bem estar comum. foi assim que me fiz funcionário público, sem ligar sobremaneira a proventos, pela satisfação de contribuir com o meu trabalho e a minha especificidade para o bem estar comum. romanticamente, como se trocasse as batatas que produzo, pelas galinhas que alguém cria. é no fundo essa a origem do dinheiro. cedo me apercebi, porém, que consciência, solidariedade, capacidade de auto-crítica e de auto-regulação não foram distribuídas em partes iguais por toda a gente.
o que mais me incomoda no meio disto tudo é que há um fundo de razão para o exercício do tal poder musculado. e que esse fundo de razão seja utilizado para retirar apoios a quem deles realmente precisa, o velho princípio de pagar o justo pelo pecador. que se reduzam ou retirem apoios a grupos sociais desfavorecidos e sem expressão eleitoral e que as maiorias, que no fundo apenas querem conservar previlégios seja à custa de que esquemas fôr, aplaudam de pé. temo por tempos em que palavras e conceitos como solidariedade, partilha, comunidade e altruismo passem definitivamente à categoria de arcaísmos.
13 comentários:
Nelio, acredito na sua sinceridade, mas creio que a visão não é entre um "poder masculado" e a "gaja-gira-que-é-boazinha-e-gosta-muito-dos-jovenzinhos-dos-suburbios-desempregados". A opção era entre um França integrada numa ideia de Europa solidaria mas também auto-responsabilizadora do indivíduo.
Reparou que, nestes últimos incidentes, em França, (e imagine se fossem apoiantes de Sarkosy a fazer isto) não viu nenhum desfavorecido, fraco e deprimido a incendiar e a partir tudo? E já agora, por que riu tanto, a Madame Royal, na sua declaração de derrota?
paulo, não me refiro apenas à situação francesa, parti dela para a nossa própria situação. nada justifica a violência que se seguiu, o vandalismo desenfreado, certamente alguns dos carros incendiados seriam de cidadãos que votaram na segolene. tb não morro de amores pela sra royal, mas não me acredito que ela tenha alguma coisa a ver com os acontecimentos. o sorriso, esteve sempre lá, até ao fim. mas na realidade não é a situação francesa que me preocupa, porque ela é apenas mais um sinal dos tempos.
Pois é... o fulcro tá mesmo aí... «auto-responsabilidade individual»... ou consciência social (sentido lato, atenção...) ou cidadania... expressões várias para referir a mesma coisa.
há pessoas que existem em contraciclo, salvo espaços curtos em que alinham com o carreiro por se terem momentaneamente iludido sobre a real possibilidade de o fazerem. Sempre houve carreiros e formigas fora do carreiro. Precisamos fortemente uns dos outros: os do carreiro e os de fora do carreiro estão muito mais interdependentes do que julgam ou do que gostam de acreditar. É esse um dos sentidos da dialética. Dantes eu perdia muitas eleições, mesmo quando não votava nelas; Ganhei outras da mesma maneira: Lula, no Brasil, por exemplo. Passou algum tempo e agora já posso ver também aí o tema do carreiro e da formiga. O tio Nélio está fora do carreiro, sabe? So por isso pode ver o caminho que ele leva. Isto era um elogio. Royal e Sarkozi quizeram liderar o grande carreiro francês. Os bons lideres serão os que, à frente do carreiro vão ouvindo as formigas de fora. A essas resta somente continuar de fora. É irremediável.
Je suis desolé
moises, a tal autoresponzabilização individual não se consegue administrar pela força, ser imposta. ou entra na constituição do indivíduo enquanto ele está em formação, ou então... kaput. ´daí a necessidade de reforço dessas competências pelos agentes educativos. mas para isso era necessário que pais, professores e restantes agentes educativos a professassem. nó cego!
a tia maria da piedade está a ficar muito lúcida... eu percebi que era elogio.
Nélio, claro! Nem pode ser de outro modo... desatar esse nó cego cultural seria talvez o ovo de Colombo para Portugal. O que não se vê são ideias consequentes que ajudem a desatá-lo e também me parece que muitas vezes não há interesse... ou será que essa mudança pode estar a acontecer sem que nos estejamos a aperceber (não são as mudanças estruturais, por natureza processos de tempo longo e os sinais dessa mudança muitas vezes contraditórios ?)... apesar de tudo tenho esperança nos mais novos...
os mais novos: há deles no carreiro, direitinhos folowing the flock,com seus sapatos de marca e suas telenovelas e boys bands, há deles fora do carreiro,mais ao menos amargurados, mais ou menos hemp power, anarquistas ou mais ou menos artistas, como foi sempre com todas as gerações desde a idade da pedra. Também há os que estão no carreiro de fazer de conta que são diferentes, porque essa também é uma das tribos do carreiro. A esses a coisa passa antes dos trinta anos.
Gente fora do carreiro eram como o Pessoa, o Souza Mendes, a Maria Amália Vaz de Carvalho, o Pe. António Viera. São como a Isabel do Carmo, a Maria Velho da Costa ou o Albino Aroso e estes só para citar mortos ou idosos.
à cerca de carreiros alternativos recomendo www.adbusters.org aos interessados. Não tenho motivos que cheguem para dar aos mais novos mais ou menos crédito do que dou aos mais velhos. não há qualquer mérito ou demérito na geração a que se pertence. Se houvesse bastava-nos envelhecer para melhorar ou piorar inexoravelmente segundo um gráfico preestabelecido que viria no caderninho de saúde que o sr dr desse às nossas mães à saída da maternidade.
O que mais me revolta é estes políticos é a forma como se julgam donos da moral (a única certa, na óptica deles) e exigirem, ao mesmo tempo, o controlo "musculado" da sociedade.
Quem me vai dizer o que é o Bem e o Mal? Ninguém! Eu contru-o os meus próprios valores!
Bom post. Continuação!
contruo :-(
tia maria, percebo o que queres dizer, no fundo não há gerações, há indivíduos, mas partilho com o moisés as esperanças de maior civismo e construtivismo por parte das novas gerações. talvez o facto de serem cidadãos europeus e viverem num mundo muito mais competitivo, nomeadamente em termos de ingresso no mundo do trabalho, contribua para isso. mas também pode ser tudo uma ilusão...
No meu comentário não quis desvalorizar nenhuma faixa etária (é uma expressão mais neutra?)nem o seu contributo... aliás os sinais e estimulos que damos aos mais novos são fundamentais. Para bem ou para mal todos somos responsáveis.
Efeito pigmaleão: sucessão de eventos que numa relação interpessoal voluntária ou involuntariamente são desencadeados por alguém de acordo com a percepção e juizo que faz do outro. A dado ponto dessa sucessão, o outro efectivamente se transforma na visão que o primeiro dele fazia desde o início da relação. Dantes ensinavam isto aos jovens aprendizes de profs. Há psis que reclamam ter a comprovação experimental deste efeito. Quanto mais não seja pela possibilidade desse efeito, é preciso concordar com moisés.
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