sábado, agosto 04, 2007

da migração das alfaces

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a alface é um bicho estranho. apesar das características individualistas e predatórias, migra anualmente em grandes bandos rumo ao sul mais ou menos por esta altura, numa aventura só comparável à grande migração dos gnús no continente africano. imagens de satélite registam uma mancha verde que se estende progressivamente até à costa sul, onde a alface se concentra numa estreita faixa que durante mês, mês e meio, apresenta uma cor verde saturada. a alface migra para descansar, mas como migram todas ao mesmo tempo, acabam por não descansar nada. levam atrás de si os seus veículos e a sua maneira caótica e agressiva de conduzir, o seu pouco respeito pela natureza, a sua maneira afectada de olhar, o seu queixume e descontentamento constantes. queixam-se da superlotação, dos preços, de serem preteridos em relação às letuces, do serviço, dos rebentos dos outros, das nuvens no céu, da areia, dos sítios de piquenique terem sido deixados em estado lastimável por outras alfaces, de encontrarem os vizinhos do 15º C no mesmo hotel, dos centros comerciais serem iguais aos que habitam durante o resto do ano, das beatas de cigarros deixadas na areia por outras alfaces, da via do infante ficar igual à 2ª circular. no final da estação, migram novamente, uma grande mancha verde de sentido contrário que se concentra na margem sul do estuário do rio tejo à espera de vez para atravessarem o rio e, finalmente, na costa sul volta a haver paz.

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repórter und3rblog, do allgarve para a national geographic magazine
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imagem: grande migração das alfaces rumo ao sul.

8 comentários:

Maria Romeiras disse...

Fantástico, Nélio, esta alface não vai para o Sul, mas fica no seu habitat a rir com o que leu (ou a chorar porque é tãoooo verdade). Um beijo.

Daniel C. disse...

Fabuloso!
A decadência por um mês, e há quem lhe chame férias!
Para um autóctone, a fauna migratória deve parecer no mínimo exótica...
Digna deste documentário no mínimo, fartei-me de rir!

1 Abraço

astuto disse...

Bem, o que eu me ri. É exactamente essa a imagem que tenho dos alfacinhas: os queixumes e a presunção de quem julga, de alguma forma, ser superior. Mas não é só no Allgarve, a costa alentejana também padece do mesmo.

Os lisboetas, na praia, conseguem falar mais alto do que os emigrantes que em Agosto vêm na "voiture a toute la vitesse", é vê-los e ouvi-los a gritar pelo João Vítor e pela Leninha a toda a hora! Nos restaurantes, se há uma peixeirada por causa de uma mosca na sopa, é um alface com certeza. É por isso que há anos que não passo férias longe, a linda praia de Esposende fica a 15 quilómetros do meu cubículo e a serra mágica e verdejante do Gerês é tão perto.

Cumprimentos e desejos de que Agosto passe rápido por esse Reino dos Algarves.

papagueno disse...

Tens toda a razão, é um bicho estranho esse alfacinha. mas nem todos são assim. Aqui este até rumou para o norte admirar a paisagem de rara beleza do Douro Internacional.
Um abraço bem verdinho.

Anónimo disse...

que exagero.....!!!
a via do infante igual à 2ª circular??? ehehehehehe
estes repórters são uns sensionalistas!! ;-)
o algarve em agosto é um descanso, comparado com lisboa o resto do ano. :-D
vou aproveitar a migração e vou passear pra lisboa a próxima semana. :-)

beijos verdes

Anónimo disse...

sou alface, mas nunca vou no meio da confusão para o Sul, para não correr alguns dos riscos descritos no texto, o qual está muito bem conseguido....

Luís F. disse...

Sou mais uma alface que não migra para o sul...

Muito boa esta crónica!!!

Cometa 2000 disse...

brilhante......

humorístico e mordaz! no ponto!

:)